Me diz o que você faria

Hoje, véspera de fim de mundo, senti um ímpeto de deixar minhas últimas palavras aqui no Facebook. E as primeiras palavras que me vieram à cabeça foi aquela famosa música do Lenine:

Meu amor/O que você faria/Se só te restasse esse dia?/Se o mundo fosse acabar/Me diz o que você faria

Pois é. O dia enfim chegou. Só me resta mais um dia até o apagão final. O que eu vou fazer? Vou seguir aquilo que o próprio Lenine sugeriu? Andar pelado na chuva? Correr no meio da rua? Entrar de roupa no mar? Trepar sem camisinha?

Bom, as sugestões não deixam de ser interessantes, mas me soa algo do tipo "soltar a franga", o que não me agrada muito. Preferiria fazer outras coisas. Sempre quis conhecer Paris. Na verdade eu ia conhecê-la, mas só no ano que vem, o que convenhamos não irá acontecer. Mas pensando bem, acho que não é uma boa ideia. Mesmo que eu pegasse o primeiro voo, chegaria lá no meio da noite para vê-la por algumas horas. E ainda, as doze horas que eu passaria dormindo no avião eu poderia aproveitar fazendo coisa melhor. Ok, vejamos outro desejo não satisfeito. Já sei, pular de paraquedas! Isso sim seria bacana como meu último desejo terreno. Na verdade eu posso fazer uma queda sem paraquedas para que seja uma grande morte espetacular - não vamos todos morrer mesmo? Ideia ainda melhor: vou pular agora para chegar antes de todos no paraíso e fugir do congestionamento que vai ficar quando o apocalipse acontecer. Imaginem só aquela massa de brasileiros furando fila para entrar pelos portões do céu (algo como o trânsito caótico da Marginal alagada na hora do rush). Só de pensar já me dá vontade de morrer logo. Pensando bem, eu queria ir junto da minha família - "nho nho nho", minha irmã diria - mas tenho certeza que nenhum deles toparia essa ideia, muito menos minha noiva que morre de medo de altura. Tá bom, vamos continuar com este derradeiro brainstorm.

Sei lá. Jogar o Ipad no liquidificador? Sempre adorei os virais do "Will it Blend?". Dar uma última volta de carro sem me preocupar com multas? Não escovaria mais meus dentes? Só comeria Mcdonalds e Burguer King até amanhã sem me preocupar com colesterol? Não...

O que farei mesmo é jogar meu violão no carro, resgatar minha noiva do trabalho, e chamar a família, amigos e quem mais quisesse ir rumo a Ilha Bela para fazer um grande lual nas areias da Praia do Curral mas sem fogueira pois usaríamos a luz do fogo do inferno do Armageddon para iluminar. Alguém topa? Estou saindo agora. Ah, criei um evento aqui no Facebook convidando todos vocês para o último lual das nossas vidas.Vejo vocês em Ilha Bela!

Hoje é festa na cidade

Hoje de manhã aconteceu algo estranho. Acordei ao som de rojões e estouros que vinham da rua. Algo atípico para uma manhã de domingo que aqui no Ipiranga é sempre tão tranquilo. Mas do meu quarto parecia que as pessoas estavam todas na rua vibrando emocionadamente. Boto uma roupa e saio para ver. Carros buzinando, bandeiras ao céu, os amigos se abraçando pelas ruas, pessoas comemorando algo que pareciam esperar há muito tempo. Nunca havia visto tamanha alegria no rosto do meu povo. Ao passar por um transeunte que de todo uniformizado parecia participar da festa, pergunto-lhe a causa de tanta agitação. Foi quando ele me disse: há muito tempo esperávamos este momento! O dia tardou mas chegou! A fome no mundo foi erradicada! Não há mais uma criança sem comida nesse mundo! As guerras entre os povos também cessaram! Os países resolveram se unir e agora nós somos um povo só com o mesmo sentimento de amor no coração! As pessoas podem sair nas ruas sem medo pois não há mais crimes. Todas as crianças terão direito a frequentarem a escola e todas as famílias terão trabalho e moradia dignas.
Não conseguia acreditar em tudo o que o homem me falava! Um bando de loucos - como eles mesmos se auto intitulavam - lutaram com garra e vontade para mudar o mundo e conseguiram! Estava emocionado. Foi quando por um estouro ensurdecedor acordei meio tonto sem saber por que estavam fazendo tanto barulho...

Parabéns ao Corinthians pelo título. Imagina o que a força de um bando de milhões de loucos poderia fazer para transformar o mundo num lugar melhor de se viver. Ainda tem dúvidas de que eles não conseguiriam?

Minha casa

Minha casa está onde vive o coração. E desde que te conheci, meu coração fez morada em tuas mãos.
Deixe-me voltar para casa. Prometo não pendurar as roupas nas cadeiras da mesa de jantar. Prometo que melhorarei minha mira no vaso. Prometo não derrubar migalhas de pão no sofá. Prometo jogar no lixo o frango assado que passou da validade na geladeira. Prometo que a casa não será apenas do meu jeito nem deixarei tudo para que você decida. Ela será erguida e cuidada a quatro mãos. Todos os dias.
Deixe-me voltar para casa. Prometo não deixar ninguém interferir em nosso templo. Não posso, porém, evitar que opinem. Nossos amigos nos amam e por isso opinam. Mas filtrarei o que dizem e se passarem do limite, não se preocupe. Não importa quem seja, fecho a porta e passo o trinco e o/a deixo falando sozinho/a. Simples assim.
Deixe-me voltar para casa. Deixe-me sentir o calor da sala aquecida, do carpete que acaricia meus pés, dos cobertores macios que abraçam meu corpo, do inebriante perfume deixado pelo bolo de fubá que assa no forno.
Deixe-me voltar para casa. Para o lar que eu encontro em seu abraço.

Meu curriculum vitae em versão tipográfica

No momento estou organizando meu portfolio para buscar trabalho. Quando cheguei na parte "Sobre mim", abri o Word e escrevi meu histórico atualizado, com minhas últimas andanças. Quando terminei, olhei bem para aquele árido texto em Times New Roman e me deu uma enorme sensação de tédio. Aquele texto precisava de vida. Era minha história que estava sendo contada e com certeza ela não foi um tédio. Foi aí que surgiu a ideia da arte abaixo. Senhoras em senhores, meu curriculum vitae em versão tipográfica.

Por que fazer o Caminho de Santiago?

“Por que você está fazendo o Caminho de Santiago?” Esta é umas das perguntas típicas que os peregrinos se fazem nas conversas. A pergunta que se esconde por trás dela seria: “Que loucura você tem para caminhar 800 kms?!” Pois te digo a minha loucura. Alías, não é só uma, mas três.

Primeiro, buscava o autoconhecimento. Não, não esperava um raio de luz celestial caindo sobre minha cabeça a me desvendar os mistérios da vida. Por incrível que pareça, a verdade é que o próprio ato de caminhar é o aprendizado. Se age no caminho da mesma forma que se age na vida cotidiana. A diferença é que no caminho os efeitos surgem com muito mais rapidez e assim tenho mais claro os erros e acertos que cometo no dia-a-dia. Por exemplo, se carrego mais peso do que meu corpo agüenta, logo surgem bolhas nos pés. Ou se caminho forçando o lado esquerdo, logo surgirão dores no lado direito. Ou ainda, para dar um exemplo bem meu, se não se foca no presente e está sempre ansioso com algo que não seja apenas o presente, se esquecerá de algo pelo caminho e isso trará dores de cabeça para reaver a coisa de volta. É como se o caminho fosse uma grande metáfora da vida. Um curso intensivo de 30 dias sobre a arte de bem viver. De viver sem bolhas nos pés, se é que me entende.

Segundo, eu adoro viajar. Pensando bem, não é exatamente a viagem em si, mas a sensação de estar totalmente livre é o que mais me atrai. E o Caminho de Santiago, como uma espécie de mochilão a pé me permite exatamente isso. Meus horários e destinos são flexíveis, me permitindo decidir de última hora, de acordo com a maré. Tem-se o ponto de chegada que é Santiago de Compostela, mas durante o percurso é possível testar caminhos alternativos aos que normalmente os guidebooks dizem ser os tradicionais, dormir em cidades que não sejam as mais turísticas, caminhar em grupo ou sozinho. E a infraestrutura é enorme, com muitos albergues e restaurantes durante o trajeto. Liberdade. É o que sente quem se atreve a atravessar a Espanha de leste a oeste.

E terceiro e último, gosto de me exercitar. Digo isto porque caminhar longas distâncias não é para qualquer um. E não falo sobre idade, pois grande parte dos que caminharam comigo eram na maioria aposentados. Falo sobre o fator psicológico, o de gostar de esporte, de não pirar caminhando 7 ou 8 horas ao dia. Tem gente que prefere meditar sentado em posição de lótus dizendo "OMMM" por horas a fio. Outros preferem viajar confortavelmente de ônibus ou carro. Eu já gosto da idéia de me mexer, de me movimentar, de sentir o sol na cara, de chegar suado e cansado no albergue e, como recompensa, tomar uma bela ducha de água quente para limpar e relaxar meu corpo ao final do dia.

Estou preparando uns vídeos onde conto um pouco sobre cada etapa da caminhada. Abaixo preparei o vídeo do 20º dia, saindo de León até Hospital de Órbigo. Um preview do que virá a ser.

Em León

Dia 16 de maio, 19º dia desde que comecei a caminhar em Sant Jean Pied de Port. Hoje guaardei um dia de descanso em León, a maior cidade pelo qual os peregrinos passam a caminho de Santiago de Compostela.

Como meu tempo é curto, decidi pular uma etapa do caminho e fui de trem de Sahagún a León, aproveitando o dia para conhecer a cidade. León é lindíssima e tem muita história. Para quem vem para Espanha e tem um tempo de folga, aí vai a dica. León foi no século XII o principal reino da península ibérica e carrega em cada rua do centro histórico seu orgulho e história. Pena que hoje é segunda e os museus estao fechados. Ah, e tem a imperdível Casa de Botines desenhado por Gaudí.


Ver Caminho de Santiago en un mapa más grande

Rabé de Las calzadas

Já fazem quase duas semanas que estou caminhando e hoje tirei um dia de folga para descansar em uma cidade chamada Rabé de las Calzadas, uma cidade bem pequena com uma arquitetura toda feita de pedra e muito pacata. Ótima para o descanso da mente e dos pés. Abaixo coloco um mapa com o percurso que estou fazendo e o ponto azul é o povoado onde estou. Amanha parto provavelmente para Hontanas, 20 quilómetros mais perto de Santiago de Compostela. E ainda nao estou nem na metade do caminho. :)

Ver Caminho de Santiago en un mapa más grande

A caminhada está sendo incrivel. Antes pensava que o Caminho de Santiago era meditar e caminhar sozinho. É muito mais que isso. É um passeio turístico pois se conhece todo o norte da Espanha, sua história, sua gente e assim aprendo mais sobre este país. Uma aula de história, geografia e de espanhol sem cadernos. Também conheço gente de todas as partes do mundo, principalmente alemaes, espanhóis (claro), holandeses e franceses. Estas nacionalidades formam a maior parte dos peregrinos. E também tenho encontrado alguns brasileiros aqui e alí.

Enfim, estou adorando. Nao poderia ter escolhido uma viagem diferente. Para os que estao pensando em faze-lo, apoio-os incondicionalmente. As dores nas pernas e o cansaço físico serao infinitamente recompensados.