sexta-feira, abril 18, 2008

Palavras de Tupã

Lendo a revista Piauí, edição 18, li um poema de Waldo Motta que fala belissimamente sobre a busca que todos nós colocamos em nossas vidas. Me identifiquei com ela.


Epifania - Palavras de Tupã
(o que disse o trovão)

Meu querido Kwaray,
meu adorável xodó:
não há por que escalar
o alto do Kaparaó
e nem por que burungar
os quintos do cafundó.

Não adianta insistir
nessa andança lelé
do Oiapoque ao Chuí.
Não adianta buscar
qualquer paraíso ou céu
longe ou fora de vós.

Com todo o vosso afã
e com toda a vossa fé,
jamais achareis Tupã,
Gorak, Rudá ou Sumé.

Povos e nações das selvas,
meus filhos, xakyabás,
xavantes, kamayurás,
kaygangs, kayapós,
pataxós, tupiniquins...

Será que não tem mais fim
essa andança boçal,
essa procura insana,
essa busca literal,
aqui, ali, acolá
de vossa sonhada terra,
de vossa Terra Sem Mal?

Eis o que vos diz Rudá:
meu querido Kwaray,
chega de andar atrás
do que está atrás de ti.

E assim fala Tupã,
sendo esta a resposta:
as montanhas do poente
acham-se em tuas costas.

Buscais a Terra Sem Mal,
quereis a Terra Sem Mal,
a terra dos ancestrais,
de vossos pais e avós,
o reino celestial
da alegria e da paz?
Buscai-o dentro de vós.

Ó meu caro Kwaray,
solitária é a jornada,
e não há aonde ir.
A Terra Sem Mal que buscas,
o paraíso que sonhas
sempre esteve em ti mesmo,
está em tuas entranhas.

O lugar que tanto almejas
e buscas com tanto afã:
encontra-se no poente;
a montanha semovente
é a pátria de Tupã,
e toda procura, além
desse território, é vã.

Eis que te revelo agora
o sacrossanto lugar
onde vivem vossos mortos,
vossos pais, vossos avós,
todos vossos ancestrais
e também os próprios deuses.

Em ti mesmo, Kwaray,
no cume do ybyty
que produz o tepoty
no buraco do tumby

Em riba do apuã,
na lapa do tepitã,
eis o nosso santuário,
eis a tenda do pajé,
eis o templo do xamã.

Que imaginação cotó!
Tende de vós mesmos dó,
poupai o vosso gogó,
não gasteis os mocotós.
Eis aqui a tão sonhada
terra do balacobaco,
terra do borogodó.

YKÓ YBAPY AKU
YBY YBAKE OÇÓ.

Este é o endereço
do meu eterno mocó:
a cacimba do bozó,
o oco do oritimbó,
a loca do fiofó,
a grutinha do popó,
o orifício do ó.
E de uma vez por todas
deixai de ser tão bocós.
Chega desse qüiproquó!

Chovam graças em toró
sobre quem ame o loló.

Atentai às estações,
ao dia e hora próprios,
à lua da oração,
e ao tempo dos amores.

Refrescando vossos ossos
e refrigerando a carne
com pomadas e ungüentos,
óleos santos e massagens,
e alegrando as entranhas
com danças e cantorias,
e zelos de amor leal,
transmutareis vossos corpos
e em vós mesmos achareis
a própria Terra Sem Mal.

Waldo Motta

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